Transformação
de associação em organização religiosa
Marli Soares Borges
“Transformação é a operação pela qual a sociedade passa,
independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. (Lei 6.404/1976,
art.220). Ocorre, por exemplo, quando uma sociedade Ltda. se transforma em
sociedade anônima.
Aplicando-se
por analogia esse enunciado legal às associações, temos que: a transformação de
associação em organização religiosa é um procedimento jurídico pelo qual se transforma,
independentemente de dissolução e liquidação, uma entidade de direito privado
de um tipo jurídico para outro, no caso, de associação para organização
religiosa.
A
transformação de associação em organização religiosa, mostra-se
útil na medida em que a organização religiosa poderá assumir tranquilamente sua
condição de instituto religioso, instituto de vida consagrada ou qualquer outro
perfil religioso, sem que necessite relegar seu Direito Próprio. Isto porque, o
Direito Próprio (constituições, regras, regulamentos, decisões capitulares e
quaisquer normatizações da organização religiosa), está acolhido, ou seja, é
plenamente respeitado pelo nosso direito pátrio, desde o advento da lei
10.825/2005 que modificou o Código Civil Brasileiro - CCB).
A
transformação das pessoas jurídicas de direito privado está prevista nos
artigos 1.113 a 1.115 do CCB:
Art. 1.113 – O ato de transformação independe de dissolução ou
liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição
e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se.
Art. 1.114 – A transformação depende do consentimento de todos os
sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá
retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato
social, o disposto no art. 1.031.
Art. 1.115 – A transformação não modificará nem prejudicará, em
qualquer caso, os direitos dos credores.
Também está
prevista no artigo 220 da Lei 6.404, de 1976 (Lei das S.A.):
Art. 220 - Transformação é a operação pela qual a sociedade passa,
independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.
Fundamento jurídico para transformação de associação em
organização religiosa.
A lei 10.825
de 22-12-2005, inseriu os incisos IV e V no artigo 44 do Código Civil
Brasileiro. O inciso IV incluiu organização
religiosa como tipo jurídico. Com essa inclusão está aberta a possibilidade
para transformar uma associação em organização religiosa.
Art. 44 – São pessoas jurídicas de direito privado: I – as
associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos.
§ 1º – São livres a criação, a organização, a estruturação interna
e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público
negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao
seu funcionamento.
§ 2º – As disposições concernentes às associações aplicam-se
subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial
deste Código.
§ 3º – Os partidos políticos serão organizados e funcionarão
conforme o disposto em lei específica.
Certificação das organizações religiosas
O artigo 1º da
lei 12.101/2009, diz que “A certificação
das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições
para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de
assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de
assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.”
Como se vê, esse artigo não impede que uma organização religiosa possa ser
certificada como entidade beneficente de assistência social e conquiste o
direito à isenção de contribuições para a seguridade social. O artigo diz
simplesmente que a certificação de entidade filantrópica e o direito à isenção
de contribuições sociais serão concedidos às pessoas jurídicas de direito
privado. Não especifica o tipo de entidade de direito privado que pode obter o
certificado filantrópico e pleitear a isenção. Refere-se apenas à natureza
jurídica do ente: “pessoa jurídica de direito privado”, ao gênero, não à
espécie. E a organização religiosa é um tipo (espécie) de ente cuja natureza
jurídica é ser “pessoa jurídica de direito privado”. Portanto, a meu juízo, uma
vez que cumpra as exigências legais não está impedida de obter a certificação.
Noutro giro,
o acordo firmado em 2008, entre a Santa Sé e o Brasil, (aprovado pelo Congresso
Nacional e regulamentado pelo Dec 7.107/2010) também dá respaldo para que as
organizações religiosas possam obter a imunidade tributária e os benefícios
outorgados às entidades filantrópicas, leia-se CEBAS. Pelo menos é o que está
escrito no art. 15 e seu § 1º:
Art. 15 – Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao
patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é
reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em
conformidade com a Constituição brasileira. (gn)
§ 1º – Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja
Católica que exerçam atividade social e educacional sem finalidade
lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às
entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro,
inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade
e isenção. (gn)
Agora, se
obterão a certificação, tenho cá minhas dúvidas, pois vejo importantes questões
jurídicas imbricadas, envolvendo o Acordo, a Lei 12.101 e a própria
Constituição Federal. Mas isso é outro assunto, e pretendo abordar em outra
oportunidade.
Se tenho
dúvidas – e tenho – sobre a referida certificação das organizações religiosas,
tenho também uma certeza: esse acordo firmado entre a República Federativa do
Brasil e a Santa Sé, a pretexto de trazer direitos às pessoas jurídicas
eclesiásticas, trouxe também um campo
fértil para discussões jurídicas e processos administrativos. E um mar de interpretações:
legais, fiscais e previdenciárias. Vamos ver o que dirá Judiciário. Vamos ver o
direito vivo. Esperemos!
Antes porém, um
alerta para as organizações religiosas que objetivam obter ou manter a
certificação como entidade beneficente de assistência social e usufruir da
isenção de contribuições para a Seguridade Social. Tenham muita atenção com seu
Estatuto pois o mesmo deverá atender perfeitamente às normas contidas na lei nº
12.101/2009. Assim também sua escrituração contábil, que deverá ser realizada
de maneira segregada quanto às suas áreas de atuação.