sábado, 15 de setembro de 2012

TRANSFORMAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA


Transformação de associação em organização religiosa

Marli Soares Borges

“Transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro. (Lei 6.404/1976, art.220). Ocorre, por exemplo, quando uma sociedade Ltda. se transforma em sociedade anônima.

Aplicando-se por analogia esse enunciado legal às associações, temos que: a transformação de associação em organização religiosa é um procedimento jurídico pelo qual se transforma, independentemente de dissolução e liquidação, uma entidade de direito privado de um tipo jurídico para outro, no caso, de associação para organização religiosa.

A transformação de associação em organização religiosa, mostra-se útil na medida em que a organização religiosa poderá assumir tranquilamente sua condição de instituto religioso, instituto de vida consagrada ou qualquer outro perfil religioso, sem que necessite relegar seu Direito Próprio. Isto porque, o Direito Próprio (constituições, regras, regulamentos, decisões capitulares e quaisquer normatizações da organização religiosa), está acolhido, ou seja, é plenamente respeitado pelo nosso direito pátrio, desde o advento da lei 10.825/2005 que modificou o Código Civil Brasileiro - CCB).

A transformação das pessoas jurídicas de direito privado está prevista nos artigos 1.113 a 1.115 do CCB:

Art. 1.113 – O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se. 
Art. 1.114 – A transformação depende do consentimento de todos os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato social, o disposto no art. 1.031.
Art. 1.115 – A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores.

Também está prevista no artigo 220 da Lei 6.404, de 1976 (Lei das S.A.):

Art. 220 - Transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.


Fundamento jurídico para transformação de associação em organização religiosa.

A lei 10.825 de 22-12-2005, inseriu os incisos IV e V no artigo 44 do Código Civil Brasileiro. O inciso IV incluiu organização religiosa como tipo jurídico. Com essa inclusão está aberta a possibilidade para transformar uma associação em organização religiosa.

Art. 44 – São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos.
§ 1º – São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
§ 2º – As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 3º – Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.


Certificação das organizações religiosas

O artigo 1º da lei 12.101/2009, diz que “A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.” Como se vê, esse artigo não impede que uma organização religiosa possa ser certificada como entidade beneficente de assistência social e conquiste o direito à isenção de contribuições para a seguridade social. O artigo diz simplesmente que a certificação de entidade filantrópica e o direito à isenção de contribuições sociais serão concedidos às pessoas jurídicas de direito privado. Não especifica o tipo de entidade de direito privado que pode obter o certificado filantrópico e pleitear a isenção. Refere-se apenas à natureza jurídica do ente: “pessoa jurídica de direito privado”, ao gênero, não à espécie. E a organização religiosa é um tipo (espécie) de ente cuja natureza jurídica é ser “pessoa jurídica de direito privado”. Portanto, a meu juízo, uma vez que cumpra as exigências legais não está impedida de obter a certificação.

Noutro giro, o acordo firmado em 2008, entre a Santa Sé e o Brasil, (aprovado pelo Congresso Nacional e regulamentado pelo Dec 7.107/2010) também dá respaldo para que as organizações religiosas possam obter a imunidade tributária e os benefícios outorgados às entidades filantrópicas, leia-se CEBAS. Pelo menos é o que está escrito no art. 15 e seu § 1º:

Art. 15 – Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira. (gn)

§ 1º – Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção. (gn)

Agora, se obterão a certificação, tenho cá minhas dúvidas, pois vejo importantes questões jurídicas imbricadas, envolvendo o Acordo, a Lei 12.101 e a própria Constituição Federal. Mas isso é outro assunto, e pretendo abordar em outra oportunidade.

Se tenho dúvidas – e tenho – sobre a referida certificação das organizações religiosas, tenho também uma certeza: esse acordo firmado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, a pretexto de trazer direitos às pessoas jurídicas eclesiásticas,  trouxe também um campo fértil para discussões jurídicas e processos administrativos. E um mar de interpretações: legais, fiscais e previdenciárias. Vamos ver o que dirá Judiciário. Vamos ver o direito vivo. Esperemos!

Antes porém, um alerta para as organizações religiosas que objetivam obter ou manter a certificação como entidade beneficente de assistência social e usufruir da isenção de contribuições para a Seguridade Social. Tenham muita atenção com seu Estatuto pois o mesmo deverá atender perfeitamente às normas contidas na lei nº 12.101/2009. Assim também sua escrituração contábil, que deverá ser realizada de maneira segregada quanto às suas áreas de atuação.